Pois é… Eu, como mais algumas milhões de pessoas, me apaixonei completamente pela nova animação da Disney, Frozen. Mas a parte esquisita é que meu amor não foi bem à primeira vista.
Assisti ao filme inteiro duas vezes no cinema – e, em pastiches, mais de um milhão na internet. Na primeira, fiquei ~encantada~ com as sequências musicais, com a qualidade da animação digital e com a leveza da história, ridiculamente engraçada apesar de vez ou outra passar de raspão por temas menos lúdicos.
Alguma coisa me incomodava, porém, e não era apenas a breguice de uma frase final. Era algo em relação à estrutura da história.
Saindo dessa primeira sessão e trocando opiniões com um amigo, entendi: a estrutura da jornada do herói estava “errada”.
Vou evitar ser muito específica, mas adianto que esse texto contém spoilers.
Para quem estava na lua nos últimos meses e não faz ideia do que se trata o filme, uma rápida sinopse. Frozen é sobre duas irmãs: Elsa, a mais velha, que nasceu com uma benção/maldição que a torna capaz de manipular neve e gelo; e Anna, a caçula desastrada e sempre sonhadora que idolatra a irmã e não tem poder nenhum além de uma superpositividade. Na infância, as duas princesas eram melhores amigas até que, sem querer, Elsa quase mata a irmã com seus poderes descontrolados. O incidente não passa de um susto, mas é o suficiente para que Elsa comece a se culpar pelas próprias habilidades e se isole do mundo. No dia de sua coroação como rainha, porém, sobrecarregada de emoções, ela não consegue mais ocultar os poderes, coloca o reino inteiro num inverno eterno e foge para nunca mais voltar. É aí que começará a jornada de Anna para trazer sua irmã, e o verão, de volta ao reino de Arandelle.
Se você esteve ligado no Oscar, no YouTube, ou em, really, qualquer parte ligeiramente americana da rede, percebeu que a internet ama Frozen.
Não, é sério. A internet FUCKING AMA Frozen.
Com o hino de libertação “Let it Go” na dianteira, não é muito difícil perceber que, para a maioria das pessoas, a personagem mais magnética da história é Elsa, heroína relutante e confusa com a qual é difícil não se solidarizar. Se você não acredita em mim, pesquise o nome dela no Deviantart e fique horas babando com a quantidade de fanarts inacreditáveis de tão lindos. Para muita gente, Frozen é a história de aceitação de si mesma de uma garota que tem medo demais de seu próprio potencial para torná-lo algo belo. É sua jornada por amor próprio.
Sobrancelhas arqueadas são sucesso garantido.
Exceto que não exatamente.
Isso porque, em Frozen, embora a evolução mais importante da história seja, de fato, de Elsa, a jornada é, literalmente, praticamente toda de Anna. Eu não sou exatamente uma daquelas pessoas insuportáveis estudadas que defendem praticamente uma estrutura de receita de bolo para as narrativas, mas, Frozen – e a maioria dos filmes da Disney -, é construído de uma maneira tão redondinha que fica difícil não achar que há algo de estranho quando uma peça fica fora do lugar.
Isso ficou na minha cabeça por um tempo. Foi quando decidi rever o filme. E, man, o que eu assisti dessa vez foi diferente.
Com as músicas originais já decoradas, sabendo quais eram as partes mais engraçadas e emocionantes, e já ciente de como ia terminar, eu fui com uma cabeça diferente, mais atenta talvez. A primeira coisa que me chamou a atenção foi como, desde o comecinho do filme, as pistas para aquilo que garantirá o final feliz já são posicionadas. Ainda que isso não torne o momento da revelação menos desajeitado, dá para perceber desde de cara que as forças contrárias que se chocam em Frozen não vem em forma de bem e mal, ou certo e errado, mas de… amor versus medo.
Essas palavras são repetidas o tempo todo, à exaustão, separadas ou juntas, nos diálogos ou nas músicas, em tom de comédia ou de angústia. E aí a gente lembra do que fez a Disney a Disney: a empresa sabe falar com o seu tempo, para bem ou para mal. Francamente, existe algum assunto mais em voga em nosso mundo hoje do que o conflito entre o medo (o sufixo “fobia” em várias palavras que nem preciso mencionar) e o poder restaurador do amor, como aceitação?
Fazer uma narrativa sobre isso por si só seria inteligente, mas o que torna Frozen realmente genial, na minha opinião, é justamente aquilo que achei estranho na primeira vez que assisti.
Elsa, cujos poderes tornam-se ainda mais descontrolados e perigosos quando é dominada pelo medo, não tem escolha além de se afastar de todo contato humano que possa abalar sua já escassa autoconfiança. Ela sofre de ataques de pânico e, se vivesse no mundo real, possivelmente estaria tomando antidepressivos. Quando chega ao fundo do poço (leia-se: descobrem seu segredo), ela foge e percebe que afinal de contas, agora que perdeu tudo o que tinha, não possui motivos mais para se conter. E é aí que Elsa renasce e, no isolamento de uma montanha congelada, passa a amar a si mesma e a seus poderes. Que é, por acaso, a cena quando toca a “Let it Go”, vencedora do Oscar de Melhor Canção Original desse ano.
Só que, por mais importante que seja o amor próprio (na história e no nosso mundo), ele não se basta por si só. O filme não acaba aí. Embora Elsa tenha ganhado autoconfiança no processo de se libertar dos medos que a prendiam, o reino continua a sofrer com os efeitos do inverno eterno que ela sem querer liberou.
O amor próprio e a autoconfiança por si só não são suficientes.
E é então que entra Anna. Diferente de Elsa, a irmã mais nova é agitada, elétrica e otimista. Anna nunca deixa de acreditar que Elsa pode reverter a situação que criou e, embora sua relação tenha esfriado (háhá) depois do afastamento da outra, ela decide sair em viagem sozinha para salvar o reino e a irmã de si mesma. É aí que, finalmente, depois de um acidente que coloca sua vida em risco, Anna decide literalmente sacrificar a própria vida por Elsa.
O ato é redentor não apenas para Anna, que se vê livre de uma maldição, quebrada apenas por um ato de amor verdadeiro, mas principalmente para Elsa, que finalmente entende que o segredo para controlar seus poderes é o amor. Não apenas o amor próprio, mas, principalmente, o amor da aceitação que apenas uma outra pessoa pode ceder.
Vendo por esse ângulo, faz sentido que, embora a aventura seja de Anna, o crescimento mais importante na história seja de Elsa: porque a superação completa do medo de se ser quem se é requer carinho e compreensão externos.
Frozen entrou fácil no meu Top 3 filmes da Disney, ao lado de Mulan e Rei Leão. Comparado com esses outros dois, ainda acho que certas cenas poderiam ter sido melhor editadas na versão final. Valeu, entretanto, pelo pioneirismo de falar de forma tão delicada sobre amor, redenção e coragem. E, principalmente, por trazer na própria estrutura da jornada a resposta para o final feliz.